Ser (im)perfeito
- Thayse Espíndola
- 27 de nov. de 2017
- 3 min de leitura

Quando eu era bem pequena eu tinha uma amiga que só encontrava nas férias. Todo ano eu esperava ansiosamente para ver minha perfeição em forma de amiga. Cabelos dourados, ondulados, olhos azul piscina, bochechas rosadas e cheiinhas do jeito que todo mundo gosta de apertar. Não era só a aparência que era perfeita, a vida dela também era, para a minha visão de criança pequena, claro. Ela tinha pai e mãe aparentemente apaixonados um pelo outro e dedicados aos filhos. Irmãos saudáveis e que brincavam com ela sempre, seja qual fosse a brincadeira eles estava lá se divertindo juntos. Ela estudava numa das melhores escolas da cidade, daquelas que não tem fila pra merenda e os professores não gritam nunca. O pai era empresário e a mãe autônoma, com tempo livre para brincar com os filhos, não é mágico isso? E os avós? Todos vivos e sempre disponíveis para passar o final de semana curtindo com os netos, passeando, indo ao shopping e comendo McDonald's num domingo a tarde.
Mas não passou muito tempo e eu percebi que essa história toda de perfeição da minha amiga de férias não passava de uma fantasia da minha cabeça. Eles não voltaram no ano seguinte... Eu não soube o que houve, perdi o contato, a amiga e a crença nos seres perfeitos.
Não se engane, ser perfeito é a principal cobrança que o mundo te impõe. Mas é também a pior mentira, aquilo que te fazem acreditar para render o máximo, sem nunca alcançar o topo. Você luta, reluta, busca, corre atrás e sempre tem algum "problema". E não é só porque eu era criança que acreditava nessa história. O que mais temos na atualidade são jovens e adultos que estão fantasiando sobre essa tal perfeição. E esse texto também não é sobre desilusão ou descrença nas pessoas. Todavia tem sim a intenção de oferecer conforto, porque todos nós estamos no mesmo barco. Não seja tão duro consigo mesmo, não busque algo que só vai te machucar. Veja bem, não estou falando sobre desistir, sobre desacreditar de seus sonhos e ideais. Apenas quero trazer você à tona, à margem da vida que todos nós, seres imperfeitos, vivemos.
Cobrar a perfeição de um filho, por exemplo, pode ser muito cruel para ambos, pais e filhos. Eles nunca serão perfeitos, não espere por isso. Filhos podem seguir um modelo instruído por nós, porém com sutileza e compreensão para ser saudável. Modelos de violência e brutalidade tornam a tentativa quase sempre frustrada de torná-los a realidade dos sonhos dos pais, não deles. Filhos não são negócios, são pessoas que a vida nos entregou para ajudar a conduzir, então é besteira buscar, cansar, relutar para transformá-los no que não são. Isso dói.
As mulheres talvez tenham o dobro dessa cobrança sobre a perfeição, ainda mais quando se tornam mães. Nós somos cobradas e temos uma auto-cobrança que podem nos devastar desde a gestação até a criação dos filhos. As mães precisam ser perfeitas na concepção, dando o filho tão sonhado ao homem. Essa cobrança existe como se não fossem elas as principais responsáveis pela criação dos filhos, e nos perguntamos: de que adianta "dar" um filho ao homem? Quem sabe não seja porque não damos filhos a ninguém, fazemos filhos juntos e esperamos criá-los juntos.
As mães ainda na gestação são controladas e reparadas: Se engordam muito falam que não se cuidou. Se o parto foi normal falam que não foi perfeito porque não foi natural. Se foi uma cesárea, pior ainda, falam que foi imperfeito porque ela escolheu o mais fácil, ou foi enganada pelo médico, ou porque foi uma cirurgia e toda cirurgia tem que ser invasiva necessariamente (não, isso não é verdade).
No pós-parto vem um bombardeio maior: A mãe é imperfeita para amamentar seu filho, não é boa pra trocar a fralda, não sabe lidar com as cólicas, é inocente, mãe de primeira viagem. Se chora é frágil, manhosa, não quer assumir suas obrigações.
Na introdução alimentar é falha: se dá biscoito de maisena é "menas" mãe, se dá danoninho de inhame é lunática. Enfim, se tem alguém que sofre nesse mundo de seres (im)perfeitos é a mulher, é a mãe, é o período de início da vida.
Se você se identificou com alguma linha ou parágrafo desse texto repense sobre sua realidade. Você com certeza pode ser feliz sem ser perfeito. Busque ajuda e reconheça-se!
Thayse Espíndola
CRP 16/4869
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